França: eleições imprevisíveis, até o último momento!
- Maria Paula Carvalho
- 17 de abr. de 2017
- 4 min de leitura

PARIS - A uma semana do primeiro turno das eleições presidenciais, a França está dividida, para não dizer perdida, entre suas possíveis escolhas políticas. Na língua de Molière há uma expressão bastante usada que diz: “n’importe quoi”. É dela que muitos candidatos fazem uso para convencer os eleitores. Ou seja, a fim de conquistar votos, especialmente os indecisos, vale prometer “não importa o que”. Poucos, afinal, irão mesmo a fundo nas plataformas e planos de governo de cada chapa, enquanto o discurso fácil e populista parece fazer mais adeptos do que a paixão local pelo pain au chocolat.
Dos extremos, vem as melhores pérolas, como o Frexit (uma versão francesa do Brexit) prometendo uma volta, ou porque não dizer um retrocesso, à velha República tal qual antes da União Europeia. O objetivo é impedir, por exemplo, que tantos poloneses/romenos/portugueses venham ocupar postos de trabalho aqui. Esquecem-se os defensores dessa vertente, contudo, o quanto as empresas francesas vendem aos demais países da Europa, desde que o mercado comum entrou em funcionamento.
Com o slogan “a força do povo”, quem mais cresce nas pesquisas defende um programa não necessariamente bom para todos. Entre outras coisas, Jean-Luc Mélenchon apoia os regimes da Aliança bolivariana de esquerda, em detrimento da situação caótica vivida, hoje, na Venezuela chavista/ Maduro. Promete, ainda, impostos mais altos para os ricos e renegociar o papel da França na UE.
Mas nada parece tão forte aqui quanto o poder dos sindicatos e os gritos que se erguem contra o capitalismo “cruel”. A distribuição dos lucros do trabalho é assunto jamais sepultado na França. A discussão sobre a carga horária e o dito poder nefasto das grandes corporações são fantasmas que habitam o cenário político do século XXI.
O que seriam das fábricas, afinal, sem os seus ouvriers (trabalhadores)? Nessa onda demagógica, até mesmo motoristas de Uber, sistema nascido na fleuma do liberalismo do transporte, agora reivindicam direito à reposição do Estado por endividamento feito para comprar um carro; como se tivessem sido obrigados a aceitar o desafio de acreditar num aplicativo alternativo de renda e um sistema menos amarrado do que o grupo dos taxistas. Esses sim, aparentemente mais poderosos do que muitos homens públicos, tamanha a carga de rancor e comodismo que carregam no banco de passageiros.
No outro lado do espectro político, o que seriam dos operários sem as empresas, cada vez mais prejudicadas frente aos altos impostos e ao engessamento das leis trabalhistas? Falando nisso, uma das candidatas propõem, simplesmente, o fim das demissões. Dessa forma, por lei, mesmo que um trabalhador se mostre ineficiente, incompetente ou malhonete (palavra francesa para desonesto), nada poderia tirar-lhe o santificado contracheque. E nesse ambiente altamente regulado, qual patrão se sentirá incentivado e com coragem para empregar mais gente? Acabar com a galinha, portanto, garantiria mais ovos? Eis uma retórica premente por aqui.
Já François Fillon, que conquistou a direita com sua mensagem de menos funcionalismo público e mais liberalismo, propondo uma França menos empoeirada e mais moderna, caiu de maduro diante da própria incapacidade de gerir a crise em que se envolveu. Para quem prometia limpar a política, parece que o sonho acabou no próprio gabinete, após demonstrar comportamento no mínimo duvidoso de empregar, ou fingir empregar, a própria família. Ainda que políticos não falem necessariamente a verdade para se eleger, quebrar uma palavra dada é algo inaceitável para o eleitor francês.
Todavia, curiosamente, a imprensa e demais delatores do Penelope Gate (escândalo que leva o nome da esposa de Fillon) não seguiram adiante com a tal saga moralizadora, percorrendo os demais gabinetes da Assembleia onde, sabidamente, o nepotismo fez morada. Os demais parlamentares, porém, não disputam o Eliseu e, talvez por isso, aqui o pau que bate em Chico, não bate em Francisco.
Marine Le Pen, por sua vez, responde à acusações semelhantes de promover empregos fictícios. Mas a extremista de direita também é carta a ser tirada do baralho. Ainda que um debate sério a respeito de suas propostas para o financiamento do Estado, por si só, já fosse suficiente para jogar por terra a assertividade demonstrada em suas aparições públicas.
E, assim, vai-se pavimentando a ascensão do independente Emmanuel Macron, 39 anos, o rosto da renovação, que segue a passos largos “em marche” a um grande sucesso nas urnas. Sua plataforma progressista, defendendo temas como a despenalização das drogas, causa arrepios à tradição das famílias católicas, mas atrai uma legião de eleitores que buscam uma mudança. A ver, entretanto, se o jovem político formado nas melhores escolas da França conseguirá se desvincular do ex-patrão, François Hollande, que se despede do Palácio presidencial com baixíssimo índice de aprovação. Conseguirá Macron, também, agradar todos os lados como se diz capaz, acendendo velas a Deus e ao diabo? Tanto que num programa de televisão recente ganhou de presente, como símbolo de sua campanha, uma camisa reversível. Ou seja, capaz de virar a casaca conforme sopram os ventos: hora socialista, jogando para torcida dos empregados, ora liberal, a ver por seus apoiadores de campanha, nobres filhos do livre capital.
Enquanto todas essas questões ganham horas de debate na TV e na boca do povo, temas como o alto endividamento público, o orçamento, o desemprego nas alturas e a chave para a retomada do crescimento sustentado ficam em segundo plano.
A bola está em campo, mas até agora não é possível prever quem tem a melhor estratégia e muito menos o placar final da partida. Segundo a última sondagem para as eleições presidenciais, a diferença entre os 4 primeiros candidatos é de apenas 3 pontos percentuais. Com a margem de erro, qualquer um poderá passar ao segundo turno. Pela configuração atual, o resultado do dia 23 de abril, no primeiro turno, poderá definir o jogo e sacramentar o nome do futuro presidente. Allez la France!
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