Sobre ontem a noite
- Maria Paula Carvalho
- 4 de mai. de 2017
- 4 min de leitura
PARIS - O nível do debate caiu! Indubitavelmente, o que se viu no embate entre os candidatos à Presidência foi um triste espelho do estado em que se encontra a democracia francesa. Ofensivo, ruidoso e pouco explicativo, o show em rede nacional coloca mais água na fervura e acentua tensões já existentes.
Mais do que um confronto de propostas e ideias, foi um ringue de insinuações e ataques pessoais, muito aquém do que esperava o público para um segundo turno da corrida ao Eliseo. A grandeza da França, ontem, não esteve em foco.
Alguns pontos podem ser relembrados aqui e talvez ajudem na escolha dos eleitores indecisos.
Marine Le Pen (Frente Nacional) partiu para o ataque nos primeiros minutos, definindo o oponente como candidato da “uberização” e da mundialização desenfreada, que defende interesses privados, cuja característica principal seria a frieza dos banqueiros. Ela, por sua vez, apresentou-se como a proteção dos mais fracos, o nome da França que não se submete à concorrência internacional.
Emmanuel Macron respondeu à altura das agressões. Lembrou que madame Le Pen prospera da cólera e do rancor, uma herança do pai dela. Nesse país, afinal, a extrema-direita sempre bradou um discurso de contradição, que torna os Le Pen apenas alegorias políticas, sem chances reais de vitória.
Ela faz a pregação da derrota, enquanto ele se apresenta como a chave para a conquista, para uma França forte, que não se abate, mas triunfa.
A situação do país é mais complicada do que parece. Mesmo assim, Marine Le Pen optou por uma postura sarcástica e de deboche, rindo de problemas que deveriam ser encarados com seriedade. Sua arma mágica, ou “pó de pirlimpimpim”, como disse Macron: uma saída imediata da Comunidade Europeia.
A Frente Nacional propõe uma Aliança de nações livres e soberanas, com autonomia para decidir por seus territórios, moeda, fronteiras e, com isso, combater a perda de competitividade. Se opõe, segundo disse, à leis impostas por pessoas desconhecidas e que ninguém elegeu, um comissariado que, segundo critica, decide e tira a voz do povo. A candidata é contra acordos de livre comércio e disse que a União Europeia quer matar a Europa!
No outro lado do campo de batalha, Macron espera construir uma política europeia forte e que defenda os interesses da França, tendo o euro como uma ferramenta importante. “Não somos um país fechado”, relembrou, destacando que uma possível saída da moeda comum baixaria o poder de compra dos franceses, causando a desvalorização imediata do tal franco novo, proposto pela rival. Por fim, acredita numa França competitiva, aposta nas vantagens do mercado europeu para o sucesso das empresas francesas e numa política comercial europeia que faça frente ao protecionismo chinês, por exemplo. Segundo Macron, a Europa tem um lugar na mundialização e fugir disso seria um retrocesso.
Em duas horas e meia de debate, Le Pen tentou desmontar a ideia de um candidato novo, apontando incongruências dos últimos cinco anos de socialismo no país, parte dos quais Macron teve atuação de destaque. Inúmeras vezes, perguntou sobre decisões do ex-ministro e conselheiro de Hollande, na tentativa de mostrar ao país que elegê-lo seria “mais do mesmo.” Por outro lado, gastando tempo para desmoralizar o adversário, pouco explicou sobre o seu próprio programa de governo, deixando no ar a seguinte dúvida: teria a FN realmente um projeto para o país? Segundo Macron, Madame Le Pen tem na manga apenas meia dúzia de mentiras.
O mercado de trabalho e a falta de vagas é o nó por aqui, há 30 anos. Macron promete simplificar a legislação e os impostos, para incentivar contratações, especialmente para os pequenos e médios empreendedores.
O candidato do Em Marche toca ainda num problema espinhoso: o déficit do governo. Para resolver a situação, promete fazer economia no setor público para, então, baixar impostos. Na média, para o cidadão comum, eles cairiam de 33 para 25 por cento. Mesmo assim, prudente, não prevê um crescimento econômico para a França maior do que 1,8 por cento, a seguir.
Le Pen promete milagres, como manter aposentadorias em níveis insustentáveis, baixar preço do gás e eletricidade na canetada, cortar os custos dos remédios, manter o assistencialismo e a solidariedade. Afinal, como lembra, “nem tudo está a venda por aqui, Mr. Macron.”
A guerra ao terror esquentou ainda mais os ânimos. A bandeira de Le Pen é remontar as fronteiras nacionais, expulsão imediata dos 11 mil suspeitos de fundamentalismo islâmico fichados e monitorados aqui, fechamento de mesquitas salafistas e erradicação da ideologia extremista terrorista do território francês.
Macron concordou que o combate ao terrorismo deve ser a prioridade do chefe das forças armadas e, como tal, reforçaria a polícia com ações de prevenção aos ataques. Mas, no lugar de expulsão de suspeitos, promete reforçar a investigação na internet. Fechar fronteiras, segundo defende, já não serve mais. Diz que aduanas não bloqueiam a ameaça de quem está disposto a morrer por uma causa. Macron fez ainda um mea culpa que pode ter deixado desconforto entre os franceses, ao admitir omissão do Estado quando jovens nascidos no país se lançam à jihad por pura falta de acompanhamento.
Em geral, o que se viu na TV foi uma guerra de nervos, armada por insultos e arrogância, num tom sarcástico que foge ao tamanho dos problemas que o próximo presidente terá que enfrentar. Apaziguar a França será o principal desafio daquele que vencer no próximo domingo, sendo que o papel de vítima não mais servirá à oposição, enquanto a continuidade de um plano falimentar de governo, tampouco, poderá levar à mudança que a população merece.

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