A França e o risco Le Pen
- Maria Paula Carvalho
- 3 de mai. de 2017
- 3 min de leitura

PARIS - Um se nutre da ineficiência do sistema. O outro promete resolvê-la. Um faz parte da política há décadas. O outro se apresenta como o novo. Um se utiliza do povo. O outro evita promessas infundadas aos eleitores.
Bastam alguns minutos de entrevista para perceber as diferenças entre Marine Le Pen (FN) e seu oponente, Emmanuel Macron (En Marche), ambos na disputa ao Eliseo, no próximo dia 07 de maio.
O duelo acontece numa dimensão quase histórica: 15 anos após a disputa entre Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen.
Dessa vez é a filha, Marine, que polariza os debates no país. Madame Le Pen dificilmente conseguirá apagar a herança política antissemita e contraditória de seu pai. A candidata tenta se desvincular do passado e do próprio berço, a fim de surfar uma onda de populismo que varre boa parte do país. Afinal, quem cresceu num Chatêau, como lembra o rival, não representa exatamente o povo, pelo menos não aquele povo caricato, oprimido, mostrado em sua campanha eleitoral. Nascida numa cidade nobre do subúrbio de Paris, Le Pen se agarra ao discurso dicotômico de nós contra eles. Nós, o povo, contra a elite e aqueles que esqueceram de ouvir as massas. Não funciona, uma vez que soa falso e até arrogante.
Le Pen ganha terreno ao impor uma suposta luta de classes numa França já dividida ao extremo, amedrontada pelo terrorismo e que vê seu poder de compra diminuir em razão dos altos impostos e da crise no mercado de trabalho. Porém, na propaganda, ela vende um discurso de união, que não condiz com suas atitudes, passando por incoerente aos olhos da maioria. Embora pregue amor à Pátria, à bandeira e à tradição francesas, há décadas Marine Le Pen se nutre do ódio. É da revolta que ela se aproveita para subir nas pesquisas. É da intolerância que se utiliza nos palanques e do aparente descaso com o povo que, por fim, a levou ao segundo turno.
Sua fala não explica, contudo, como ela seria capaz de resolver a queda de credibilidade que afetaria imediatamente a França, com uma vitória da Frente Nacional, tornando a carga da dívida quase insustentável. A saída do segundo maior país da zona do Euro poderia trazer consequências nefastas para o bloco Europeu como um todo.
Há muito tempo a deputada fala mal do sistema, sem nunca ter colocado a mão na massa para melhorá-lo. Aliás, se as coisas estivessem bem por aqui, ela não teria chance alguma. Seu discurso carregado de rancor, entretanto, agrada em cheio os que se sentem fora do sistema, que se encontram no olho do desemprego e que já empenharam seus votos à direita e à esquerda, sem resultado algum. O insucesso dos partidos tradicionais nessas eleições, diga-se de passagem, se deve à própria incapacidade dos políticos de resolverem os problemas do cotidiano, uma vez que parecem mais voltados à autopromoção e à defesa dos próprios interesses.
Macron pode ter pouca experiência política, afinal tem pouca idade. Mas já passou pelo governo e conhece os obstáculos que inibem homens públicos e suas ideias de avançarem. Ao descrever o atual presidente, François Hollande, assim o definiu: “impedido”. Ou seja, alguém que não foi capaz de fazer as mudanças necessárias à França do século XXI por razões diversas e desconhecidas do grande público. Desta vez, promete ele, será diferente.
Para isso, Macron terá que formar uma maioria na Assembleia capaz de fazer passar suas reformas. Unir esquerda, centro e direita em nome de um projeto maior será o grande desafio. Determinação, ele já mostrou que tem. Em pouco mais de um ano, criou o próprio partido, lançou uma candidatura paralela ao bipartidarismo tradicional e ganhou com vários corpos de vantagem.
Nesse momento, Macron depende dos votos de quem é contra “o pior”. Ou seja, precisa convencer aqueles que não o escolheram no primeiro turno a saírem de casa e participarem, uma vez que as abstenções favorecem a Frente Nacional. Além disso, o progressista enfrenta desgosto no seio de alguns sindicatos, aqueles que se manifestaram em 2016 contra a Lei do Trabalho e o ministro da Economia à época, Emmanuel Macron.
Domingo, não será um voto de adesão, mas um voto de razão, explicam muitos eleitores. Diante do fascismo não se pode brincar com o fogo, alertam outros tantos.
Quando perguntado se vencerá as eleições, Macron responde: não sou da arrogância e vou lutar até o fim. Que assim seja, ou a segunda-feira 8 de maio poderá chegar com cara de pesadelo por aqui.
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