Inspiração e Cidadania, por Ayres Britto
- Maria Paula Carvalho
- 12 de out. de 2017
- 3 min de leitura
“Vamos sair repaginados dessa crise, mas só conseguiremos em torno da mesa redonda metafórica que é a Constituição Federal.” (Carlos Ayres Britto)
SÃO PAULO - Convidado de um painel sobre os novos tempos do jornalismo, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, abordou o papel da imprensa para o desenvolvimento da democracia. Didaticamente, o ex-ministro começou lembrando a diferença entre o indivíduo – aquele que cuida de si mesmo - e o cidadão – que é atento ao que é de todos, que vive o dia a dia da coletividade e se sente bem em gerir os interesses da sociedade.
No Brasil atual, depois da indignação ferrenha, é chegada a fase de proposição de ideias, observa Ayres Britto. É chegado o momento de apresentar sugestões para o envolvimento coletivo na solução dos problemas. A indignação ética “não pode estreitar o espaço dos debates”, preocupa-se. E a imprensa faz parte dessa “equipe de parto do país”, no sentido de que algo novo precisa nascer.
A imprensa é informativa, investigativa, crítica e denunciadora. Segundo o magistrado, a mídia forma opinião, fiscaliza o poder público e, acima de tudo, dá ao cidadão a chance de ter outra visão, que não a oficial. “A imprensa dota a sociedade de espírito crítico. Ela dá o start e os indivíduos passam a pensar por conta própria”. Porém, conforme adverte, a mídia não pode se contaminar com o acirramento dos ânimos na sociedade. “A trajetória saci, de uma perna só, não se sustenta”, previne o jurista.
“O desemprego é uma dor que trinca o osso da alma", disse, diante de uma plateia de jornalistas, professores e estudantes de comunicação. Ayres Britto lamentou: “o Brasil convive hoje com a situação vexatória de ter 14 milhões de desempregados.” Recitando Esquinas, de Djavan, o magistrado aposentado chamou atenção para o que considera ser um dos “versos sociais” mais bonitos do nosso idioma: “Sabe lá o que é não ter e ter que ter para dar?”
Na democracia, disse, não é “eu participo porque sou livre”. Mas sim, “sou livre porque participo”. Ayres Britto avaliou que a sociedade civil brasileira está avançando na direção de desenvolver esses princípios fundamentais, mesmo que ainda exista um enorme descompasso entre o que sente a sociedade e o que faz o aparato estatal.
Citando também o mineiro Fernando Sabino, provoca: “É preciso fazer da queda um passo de dança”, diz o homem de estatura baixa e a envergadura moral de um gigante. Em pé, tendo nas mãos a Constituição Federal, o ex-ministro emocionou os presentes ao seminário de jornalismo internacional, promovido pela ESPM-SP e Columbia University. Defendeu que as adversidades sejam uma janela para a reorganização, uma oportunidade para projetarmos uma versão melhorada de quem somos e do nosso país.
“Juridicamente já somos um país de primeiro mundo”, compara. Ayres Britto destaca que a Constituição brasileira tem a democracia como elemento principal. E mostra que a beleza desse documento já está intrínseca em seu artigo 3o , no primeiro objetivo da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
O desafio, agora, será de sair da normatividade para a experiência. “A saída é pela constituição e não da constituição”, fez graça. O ex-presidente do STF lembrou que o Brasil passa por uma reconceituação do que seja governabilidade estatal e da governança, no plano empresarial. “No mapa ético, quem não tem passado, não tem futuro,” alertou. E sem mencionar nomes, afirmou que “todo detentor do poder tem que ser tratado à rédea curta”. Ayres Britto conclui a fala com uma frase auspiciosa: “Não basta mudar o cara do poder. É preciso mudar a cara do poder”.
Sobre a tentativa do Senado federal de sustar uma decisão do STF, o magistrado diz temer que políticos possam “precipitar uma fratura institucional exposta” no Brasil. Quem legisla, não interpreta o que legislou, explica. “O judiciário não governa, mas existe para evitar o desgoverno”, esclarece o jurista. O STF pode desfazer atos do Legislativo, não o contrário, pontua. “No Brasil de hoje não se pode impedir a imprensa de falar primeiro sobre as coisas e nem o judiciário de falar por último”.
Desenvolvimento, declarou, por fim, “deve ser a compatibilidade da riqueza do país com a riqueza do povo”. Ayres Britto convidou os empresários brasileiros a desembarcarem da propina para investirem no setor produtivo. O ministro ainda defendeu um tipo de "capitalismo social", ou uma “economia social de mercado”. E a imprensa, segundo finalizou, pode colaborar para essa mudança, ao divulgar os princípios constitucionais e promover o debate. Como cidadãos, o que buscamos é a filosofia da abundância: “Eu ganho, se todos ganham, ” ensina.

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