Jornalismo em tempos difíceis
- Maria Paula Carvalho
- 29 de out. de 2017
- 4 min de leitura
SÃO PAULO- “Isso pode não ser bom para o país, mas será muito bom para o jornalismo, ” disse Steave Coll, à época da eleição de Donald Trump. Quase um ano depois, o diretor da Escola de Jornalismo de Columbia University afirma: “Trump é um presidente em guerra contra a mídia”. Ao incitar a violência, no mínimo ele encoraja ataques através de seus comentários. “Quando um líder usa um comportamento duvidoso, muitas pessoas ouvem o chamado”, afirma. Lembrando que “o que trouxe Donald Trump ao poder não acabou”, citando as candidaturas de extremos.
Entrevistado por Consuelo Diegues, da Revista Piauí, num painel que contou com a participação do professor da ECA/ USP Eugênio Bucci, o vencedor de dois Prêmios Pulitzer falou sobre as mudanças do jornalismo e a adaptação necessária, destacando sempre o papel primordial da reportagem. Não por coincidência, Columbia é uma das poucas escolas no mundo dedicadas apenas ao jornalismo, entendido como um serviço social. Dar voz aos que não são ouvidos faz parte dos princípios fundamentais da instituição.
Falando em nome da classe, Steave Coll fez uma mea culpa em relação às previsões errôneas da imprensa nos resultados das últimas eleições no país. “A imprensa americana demorou para perceber Trump como um candidato sério à presidência”. Faltou percorrer os “desertos de mídia”, explicou o professor, alertando que os jornalistas basearam-se muito em pesquisas e menos no trabalho de campo e apuração confiável. “Sobrou investimento em pesquisa de opinião, mas faltou bater de porta em porta, o que jornalismo faz muito bem, por essência.”
Manter o bom casamento entre a cultura jornalística e as novas tecnologias e continuar fazendo a transição é o maior desafio da Escola dirigida por Coll. “Felizmente, estamos bem melhor hoje do que em 2006”, comparou, quando a Internet se impunha como uma onda inevitável e a ruptura parecia mais amedrontadora. Atualmente, a escola de jornalismo de Columbia trabalha com data science, reconhece o papel dos algoritmos na sociedade, a interação entre coding e news inovation. “Você tem que preparar os alunos para o que vai durar 20 anos e não para softwares que ficarão logo obsoletos”. Na difícil tarefa de lidar com o futuro, o estudo interdisciplinar é só um começo.
Sobre o desmantelamento do negócio de notícias, ocorrido com a era digital, o acadêmico americano prefere mirar nas oportunidades que surgem. Para Steave Coll, o “jornalismo vive a sua nova renascença”. Cabe aos profissionais reconhecerem e aproveitarem o momento certo para fazer algo novo acontecer.
Mas se o campo é fértil à experimentação, também são grandes os entraves. Segundo Coll, “o jornalista do século XXI não pode se intimidar pela intolerância e precisa seguir em frente.” O correspondente de guerra lembrou que os tempos são difíceis para os repórteres em todo o mundo. Disse que a impunidade para assassinos de jornalistas funciona como um incentivo à violência. “Quando jornalistas estão em prisão, é porque normalmente outros direitos já foram subvertidos”.
Nos Estados Unidos, o jornalismo está garantido pela 1a Amendment da Constituição. Desde 1791, o Congresso americano é proibido de fazer leis impedindo a liberdade de expressão e da imprensa. O direito à informação é quase um direito sagrado no país. “E nem mesmo alguém como Donald Trump poderá reescrever isso”, cita o Dean de Columbia.
O professor da USP, Eugênio Bucci, aproveitou a deixa para invocar a história de Joseph Pulitzer. Nascido na Hungria, o editor viveu em Saint Louis, onde havia uma forte comunidade alemã. E numa época em que o jornalismo se desenrolava no âmbito dos partidos políticos, coube a ele advogar pela formação dos jornalistas, a fim de que produzissem conteúdo de maior qualidade. Afinal, como lembrou Bucci, fake news e sensacionalismo já faziam a cabeça de muita gente lá no início do século 18.
Pulitzer acreditava no potencial de profissionalização do jornalismo, defendendo uma visão de que a atividade já se transformava num serviço essencial. Em a Escola de Jornalismo (1904), o editor apoiava o aperfeiçoamento da carreira de repórter, advogando que jornalistas deveriam estudar ética, cultura e história para melhor compreender a vida ao seu redor e, por consequência, explicar a realidade aos leitores.
A escola fundada antes da era do rádio sobrevive ao tempo e às transformações tecnológicas. Hoje acompanhamos testemunhamos a passagem de um momento em que o broadcast tradicional tinha dominância sobre a notícia para um período em que a sustentabilidade do negócio News está muito mais voltada à resposta dada pelo consumidor, ou seja, às paixões e à relação do canal com o seu cliente.
Cem anos depois, Columbia Graduate School of Journalism continua sendo, sobretudo, uma escola de pós graduação. Os alunos chegam até lá com seus diplomas anteriores. No Brasil, como lembrou Bucci, não existe algo nesses moldes. O principal efeito dessa seleção, segundo o seu diretor, é o elevado comprometimento dos estudantes, algo nem sempre alcançado em cursos de graduação. Na pós graduação eles estão lá por amor, por uma paixão arrebatadora ao jornalismo. E isso muda a atmosfera do lugar.
Atualmente a J-School, como é carinhosamente chamada, recebe estudantes de 31 países. E se fosse possível determinar de onde vem o sucesso e a credibilidade da escola, considerada a melhor na sua área de atuação, Coll diria que é resultado do investimento focado na qualidade da reportagem.
Encontrar dinheiro para investir na produção de boas matérias e garantir o crescimento do jornalismo investigativo é o nó da questão. Ser independente e fugir do financiamento estatal configura-se num tema crucial para quem acredita na mídia como ferramenta para o desenvolvimento de um país.

Comments